Desejo de Clarice Lispector
{Momento: Hospital}
Quando fico parada
penso em escrever. Quando sento para escrever paraliso num vazio de
ideias.
Hoje o mundo está
hostil e eu tenho preguiça.
A bem da verdade, sempre tive muita
preguiça e esse é o meu mal. Odeio ter preguiça! Mas me entrego a
ela sem rodeios ou resistência.
Esses dias tive o
desejo absoluto de ser Clarice. Ah! Como me seria bom poder pôr em
palavras sensações tão particularmente universais como ela faz.
Eu queria falar do corpo. Na verdade dos corpos franzinos, enrugados, doentes, que atravessam meu caminho nos corredores do hospital. Como me dói vê-los, às vezes.
Eu queria falar do corpo. Na verdade dos corpos franzinos, enrugados, doentes, que atravessam meu caminho nos corredores do hospital. Como me dói vê-los, às vezes.
Dói como se parte de mim atravessasse
meu caminho naquele corpo enrugado que se aninha sobre sua própria dor
ou indisposição.
A vida no hospital
não é boa se você é um internado.
É verdade que uns se saem
melhor que outros.
Um dia desses me
assombrei com o sorriso persistente de um angustiado.
Ele falava do sofrimento, da distância, do isolamento
insuportável que o compungia a fugir dali todo o tempo, rindo de forma a te
fazer rir junto.
Ele ria de quê?... Mas, não sem angustia.
Deus, o que fazer diante disso? O que fazer diante do riso dele, ou do meu?
Seu sorriso
definitivamente me cativou. O que era em mim?
Entretanto, sua condição médica apontava o horror!
Era algo que doía em meus olhos ver. Doía na existência. Ao mesmo tempo, capturava: e se tocasse ali? E se meus dedos pudessem sentir a pele rosa ressecada vibrante do implante epidérmico? Meu Deus!
Era algo que doía em meus olhos ver. Doía na existência. Ao mesmo tempo, capturava: e se tocasse ali? E se meus dedos pudessem sentir a pele rosa ressecada vibrante do implante epidérmico? Meu Deus!
Não sei que tipo de
seres somos quando diante do horror nos vemos compelidos a nos
jogarmos no meio dele.
Às vezes, acontece.
Assim como, às vezes acontece de sentirmos inveja da barata que corre e atravessa livremente a pista molhada em dias de chuva por saber que humanos temem à chuva mais do que a elas.
Ah! A inteligencia das baratas!...
Às vezes, acontece.
Assim como, às vezes acontece de sentirmos inveja da barata que corre e atravessa livremente a pista molhada em dias de chuva por saber que humanos temem à chuva mais do que a elas.
Ah! A inteligencia das baratas!...
No dia em que quis
ser Clarice, quis poder fazer algo simples com a dor que, vez por outra, me acomete um corpo doente e semi-vestido. Às vezes dói, às
vezes ira.
Por um lado, me
acalmo de poder descrever sentimentos capturados diante do
corpo nu adoecido. Pois, em alguns dias, temo ter perdido qualquer empatia. O hospital anestesia o olhar. De repente de tanto andar pelos
corredores, tudo é a mesma coisa, todos os doentes são a mesma
pessoa e se está acabado. Cansado, impaciente. Fugitivo.
No dia em que quis
ser Clarice, não fugi. Talvez sua simplicidade visceral tenha
permitido uma resistência à alma.
Ao paciente, que ao
falar do desespero ria-se, foi possível parar de rir, desiludir,
resignificar e, finalmente, partir.
Vivo! Voltou aos seus.
Tudo o que fui,
talvez, nesse mistério, foi presença diligente que acusava a
existência de algo além do além. De algo além do riso. Ao colher
o riso pude colher a furia, o silêncio, o nada, que é quase insuportável. E pude continuar, após a colheita, sem
compromissos profundos, porém sem, tampouco, retroceder.
Então, a frase de um mestre se fez inteligível: “O homem é pelo avesso, Sua parte mais profunda é a superfície”.
Então, a frase de um mestre se fez inteligível: “O homem é pelo avesso, Sua parte mais profunda é a superfície”.
Não esqueçam: É preciso licença poética para viver!
Referencias:
Lispector, C. A paixão segundo GH. Rocco: Rio de Janeiro, 2009
Imagens:
Printerest: Clrice e Arte de rua; hospital e Arte de rua.
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