A Ascenção Skywlker: resgate e laços simbólicos.

{Momento: Cinema}


Há sempre um nível de insatisfação intrínseco ao ser. Nada que ninguém faça é capaz de nos satisfazer plenamente. É da nossa natureza o gozo pela queixa.

Digo isso, por ter lido muitas críticas coerentes ao Ep. IX de Star Wars - A Ascenção Skywalker, condenando o roteiro, a logicidade da história de forma geral, os personagens e suas potências inatingidas etc.

[Spoilers]

Tirado o fato de que a personagem principal, Rey, não precisava, para mim, de qualquer filiação que justificasse seus poderes, pois isso mata um simbolismo importante sobre a fé e suas consequências, o filme, a meu ver, traz importantes elementos simbólicos que salvam a obra.

É do simbólico que se trata.

O simbólico tem o poder de criar laços entre as pessoas, as coisas e as idéias. Ele é o que sustenta, na grande maioria das vezes, nossa relação com o mundo ao nosso redor.

Não importa que o vilão ressurreto seja o mesmo Palpatine de sempre, com seus exageros de maldade. Importa é que há maldade. Ou os homens maus não parecem sempre os mesmos por trás dos mesmos objetivos gananciosos? O que foi a expansão marítima e dizimação dos índios em toda as Américas? A revolução industrial? A caça às bruxas? A escravidão? As guerras todas? Não tem um mesmo objetivo de fundo aí? Uma mesma ganância inescrupulosa? Mortífera, fatal? Eis o lado sombrio da força sempre ativo entre nós...

Pode até ser que a versão de J.J. Abrams mate a coerência com a trilogia original, mas isso também fez o próprio George Lucas nos episódios I, II, III e pior, mudando e acrescentando frases, personagens e diálogos originalmente inexistentes nos ep. IV, V e VI, para acertar as arestas de sua criação tosca... Abrams tem professor!

Mas o que Abrams consegue fazer que Lucas não consegue, é resgatar o laço com a emoção de quem foi afetado pela trilogia original Star Wars lançada no final da década de 70.

J.J. Abrams sabe mexer com as emoções usando a linguagem cinematográfica. Algo nos trabalhos dele, com os quais pude me encontrar por aí, ecoam a Spilberg em E.T. ou Contatos Imediatos de 3o Grau. A escolha clara pela emoção, pelo conseguir despertar em você, espectador, uma conexão afetiva forte com seus personagens em uma história momentânea, ali presente, com aquele... trecho narrativo-visual, com aquela aventura urgente que precisa acontecer diante dos seus olhos... E nada mais.

Importa, hoje, no mundo inteiro, ver uma mulher jedi poderosa, treinada por uma mulher jedi poderosa. É precioso para os nossos tempos o resgate da relação entre os irmãos: poder ver que Leia foi treinada por Luke, que era poderosa em seu contato com a Força, que era sensitiva e acolhedora. Isso dá estofo para sua posição de princesa de uma rebelião falida - E vale lembrar aqui, que Leia não tem passado! Ninguém sabe como foi criada, por quem? princesa de que ela é? Da onde?... Lucas nunca se deu o trabalho de, minimamente, criar um backgroud coerente pra ela!

Então, tem em um impacto simbólico importante ver que Luke virou um jedi e treinou sua irmã, fez pra ela um sabre de luz! (...ou a ensinou a fazer um...)
É igualmente precioso vê-lo levantar sua nave das águas para dá-la à Rey, como deveria ter conseguido fazer em O império Contra Ataca, mas falhara por falta de fé, de intimidade com a Força, que agora ele tem, e muita!

Nos pequenos detalhes, o último filme da saga Star Wars, e o que o antecede também, colocam em cena alguns importantes debates contemporâneos: o capitalismo inescrupuloso do desenvolvimento armamentista, a exploração capitalista desmedida dos povos oprimidos dos animais, a escravidão e suas consequências...

É muito poderosa a cena onde a ex-storm trooper, mulher negra, sentada ao lado de Lando, homem negro, lhe diz que não sabe sua origem, e ele lhe propõe:"vamos descobrir"!
Essas são as consequências de um mundo escravocrata, onde pessoas foram roubadas de suas terras natais. Identidades perdidas, origens perdidas! Vamos redescobri-las, juntos! Vamos redesenhar o mundo!

São pequenos detalhes....

A cena da Ray curando a cobra no deserto serve para nos lembrar que Mestre Yoda ensina a Luke, no filme V, que a força é o que conecta todos os seres! Não tem lugar na filosofia jedi para matança de animais, de inocentes e até mesmo do inimigo!!
(Esse é o paradoxo do G. Lucas espalhado por todos os seus filmes anteriores!)

É disso que Star Wars é feito! Quem nunca entendeu?
O filme é sobre resistir ao mal não importa as consequências, é sobre criar família no inesperado, fortalecer laços improváveis e impossíveis..
É sobre redenção e sempre foi!
Desde a mudança de Hans Solo de um cara inescrupuloso em herói da resistência, porque Luke, em seu otimismo inocente, acreditava nele, contava com ele! É sobre ver Luke crer que havia bondade em Darth Vader, apesar de todo mistério, medo e suspeição de Oobi Wan, de Yoda.
E, então, suportarmos ver Rey crer igual com relação ao Kylo Ren...

São esses os elementos que inspiram. É sobre improváveis mudanças, em improváveis contextos...
Crer que as coisas podem mudar, crer que o outro é melhor do que ele acha que é, são essas coisas que mudam o mundo...
É sobre a potência do amor, da adoção, dos laços que escolhemos fazer e sustentar!
É sobre crer que A Força pode, realmente, estar com você! Eis o laço simbólico.

A potência da Ascenção Skywalker não esta na coerência que o filme poderia ter tido com toda a obra, pois cá entre nós, Lucas já havia cagado toda essa exigência de primor quando fez o que fez (e ainda faz) com sua obra.

A potência está em Rey escolher ser Skywalker por se sentir adotada, amada como filha por uma família que passou a ela seu legado ideológico e mistico, por fé, por esperança!

A potência do episódio IX está na coragem de trazer à tona as questões mais atuais do nosso contexto mundial em pequenos detalhes simbólicos espalhados por todo o filme, são os pequenos diálogos, rápidos encontros, singelos sinais... Tudo muito solto, muito espalhado, como é típico de toda a saga.

Essas coisas tinham morrido! Gorge Lucas nunca foi corajoso ao ponto de enfrentar, de fato, o império americano do qual é filho! Estava faltando essa contemporaneidade. Faltava a coragem de uma Ursula Le Guin, de uma Doris Lessing e suas histórias desafiadoras, que instigam a pensar...
Da própria Leigh Brackett, que teve que suportar ter seu roteiro rejeitado e depois readaptado pela covardia de Lucas.

Esse é o pecado de J.J. Abrams, fazer um filme banhado dos elementos sutis de nosso mundo, e de toda a cultura pop na qual está submergido! É fácil identificar ali referências a outros filmes de outros contextos para além da saga StarWars! E daí que ele caga potes pra coerência (que já
não existia em toda a obra)?!?

Ele, ao menos, tem a nobreza de resgatar os pontos fundamentais de uma ideia de Força e resistência presentes no primeiro encontro que tivemos com as letras amarelas que subiam ao som da música tema de Jonh Williams que abria um universo para nós dizendo: "Em uma galaxia muito, muito distante.."

...Que sabíamos ser logo alí, dentro de nós.











Comentários

  1. Olá!
    E ela tem um Blogspot. Acho que é ou era a sua cara ter um blogspot.
    Enfim. Eu nunca consegui ter esse laço afetivo com SW que o povo tem e acho que isso, móveis a parte me dá um ponto de vista privilegiado, já que a maioria das pessoas têm sempre uma opinião muito intensa desses filmes. Ainda assim, vim fazer um comentário sobre o que você escreveu, e não sobre o filme.
    Sinto, primeiro que você é uma das apaixonadas. Antes eu sabia disso. Você me disse. Agora eu sinto isso. Legal, né? Tem que ter um amor mesmo envolvido pra fazer essa defesa do filme.
    Eu gosto da ideia de fazer questão de mudar paradigmas. Gosto do protagonismo da Rey e da Léia. Gosto do Finn também. Aliás, foto da existência de todos eles, não der como aparecem no filme, necessariamente. Suas aparições deixam a desejar, pra mim, porque poderiam fazer uma diferença que nem sempre diz a que veio.
    Uma impressão que tive, é da Ray sozinha o tempo todo. Achei meio triste pra ela. Como se estivesse tão envolvida com as coisas lá com o Kylo que nem tchum pros amigos. Eu, particularmente, costura de ver o pessoal pesando a mão nela justamente defendendo aquilo que você aponta no seu texto. Ele cura o inimigo, cacete! É isso que um jedi deveria fazer. Não pirotecnias com uma lanterna. Não sei se por questão de mercado (claro que é), o povo não está disposto a abrir mão desse modelo fálico de narrativa, onde as coisas se resolvem num bom entendimento entre as partes ou na cooperação mútua. Tem que dominar o inimigo ou matar, ou banir. Falta coragem ou falta público pra esse tipo de história?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas